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terça-feira, 21 de abril de 2015

Somos todos humanos



Semana passada nossa sociedade foi tomada por uma avalanche de protestos prós e contras a uma campanha criada em decorrência de uma violência praticada contra uma travesti dentro de uma unidade de detenção de São Paulo.

Para quem não sabe do que se trata, é o seguinte: Em São Paulo a travesti Verônica Bolina foi presa acusada de agressão física a uma senhora de 73 anos. Depois de presa ela agrediu um carcereiro arrancando parte da sua orelha e foi espancada por policiais, tendo sua imagem (pós-espancamento) divulgada pelas redes sociais. Após esse fato iniciou-se uma campanha na internet com o título “Somos todas Verônica” em apoio e repúdio à violência sofrida por ela. A campanha tem recebido diversas manifestações tanto prós quanto contra com os mais diversos argumentos. Indo dos mais coerentes aos mais absurdos e animalescos. Mas por que tudo isso? Não vou entrar aqui na questão dela ser culpada ou não dos crimes contra os quais ela foi acusada e presa, entretanto vou propor a quem me lê a fazer uma reflexão.

O que nos diferencia, seres humanos, dos outros animais que vivem no planeta? A capacidade de raciocinar e, por consequência, de resolver questões das mais simples às mais complexas de forma racional, justa e imparcial, permitindo assim que nossa sociedade se autoproteja dos indivíduos que venham a perturbar esse processo. Essa autoproteção não exclui ninguém, ou pelo menos não deveria, ela tem que servir a todos sem exceção de qualquer que seja a parcela da sociedade.

Partindo dos pressupostos acima citados não há a menor possibilidade de um ser humano em totais condições mentais ser a favor da violência praticada contra Verônica. Não estou aqui aplaudindo o crime pelo qual ela está sendo acusada, mas deixando claro que o papel da sociedade é cuidar que os cidadãos que quebram os acordos sociais de comportamento e autoproteção sejam punidos de acordo com a lei de forma justa. E, para que isso ocorra, uma das primeiras ações é protegê-los de si mesmos ou dos que acreditam que tem o direito de praticar sua própria lei. E não foi o que ocorreu nesse caso. Verônica foi espancada dentro de uma unidade pública por aqueles que deveriam protegê-la.

É inadmissível que em pleno século 21 ainda tenhamos que conviver com atitudes que nos remetem a tempos onde cada um praticava sua lei. Já deveríamos estar cansados de tantos casos de “justiça” praticada com as próprias mãos, sejam com supostos criminosos ou réus confessos. Temos um sistema de justiça, que por mais falho que seja é o que temos e é o que devemos respeitar. É chegada a hora em que a sociedade comece a questionar o que ela realmente quer para si, se uma civilização justa ou uma que sempre volte aos tempos de barbárie.

Tonni Nascimento
 

domingo, 22 de março de 2015

Dia mundial da água


No dia mundial da água vou publicar uma carta que há muito vem rolando pela internet e que, nos últimos dias, vem sendo bastante difundida. Vale a pena a leitura e uma reflexão sobre o mundo que queremos e o que estamos criando.

Em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do estado de Washington, enviou estar carta ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois do governo haver dado a entender que pretenda comprar o território ocupado por aqueles índios. Faz mais de um século e meio, mas o desabafo do cacique tem uma incrível atualidade. Eis a carta:

"O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.

Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.

Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.

Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.

Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.

Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum."

 

terça-feira, 17 de março de 2015

O Brasil e sua democracia quase infantil



Tenho um colega que quando quer me ofender me chama de petista. Isso não me ofende, até porque não vejo o adjetivo ofensivo. Mas não sei realmente o que ele pensa que é ser petista, mas acredito que não deve ser boa coisa. E, analisando os fatos do domingo (15/03), infelizmente, creio que ele não é o único. Nós brasileiros já passamos por um período onde quem discordava do governo não podia expressar sua opinião sem correr risco de morrer. Não pretendo aqui dar uma aula de história, pois os fatos estão aí para quem quiser realmente se informar sobre o que realmente aconteceu no nosso país.

Vendo e ouvindo as notícias e comentários sobre as manifestações tive a ideia desse texto. As chamadas para as passeatas incluíam a luta contra a corrupção, o governo e a presidente Dilma. Mas na prática o que vimos? Ataques contra a presidente, mas não vi nada (realmente) contra a corrupção. Vi milhares de pessoas utilizando o seu sagrado e democrático direito de se manifestar contra um partido político e uma pessoa que não são os que decidiram o passado e muito menos decidem sozinhos o presente e o futuro da nação.

Como disse, sou, às vezes, chamado de petista. Não nego que concordo com algumas posições do PT. Todavia discordo de outras, prefiro classificar-me como uma pessoa com visão política de centro-esquerda. Mesmo não sendo petista, não tem como não registrar alguns absurdos que vi. Pessoas acusando o PT/Dilma de não poderem mais ter o direito de acesso ao trabalho escravo, ofensas pessoais a presidente, a volta da ditadura, entre outros tantos absurdos. As pessoas devem procurar entender como é o nosso processo político. Mesmo sendo uma república presidencialista o presidente não decide tudo sozinho. Ele quase sempre vai precisar do apoio e aprovação do congresso nacional para questões de relevância nacional.

Muitas das opções de corruptibilidade existem por que o nosso processo é gerenciado por pessoas que fazem o que querem não em beneficio do povo, mas em beneficio dos grupos que os elegeram. E, por isso, criam entraves para os projetos que realmente interessam ao país ou os apoiam em troca de interesses pessoais. Esse processo, infelizmente, ocorre hoje, ocorreu no passado e vai continuar ocorrendo se não se fizerem as mudanças que são necessárias.

Ao invés de ir às ruas por birra política, incitados por setores da mídia e sociedade. As pessoas devem ir também para exigir que o legislativo faça o trabalho para o qual foi eleito: buscar o bem estar da sociedade como um todo e não o de alguns grupos. Devemos exigir que congresso e governo se unam para que as reformas, que há anos, circulam pelos corredores de Brasília saiam do papel. Desse modo teremos meios mais eficazes para coibir e, quem sabe, acabar com os escândalos que há anos assolam o nosso país. Não é tirando um presidente ou um partido do poder que iremos conseguir o Brasil que queremos. Temos é que aprender a votar e viver de forma realmente democrática para um dia termos um país melhor.

Tonni Nascimento
 

domingo, 8 de março de 2015

Cromossomos XX ou XY?



“Que diferença da mulher o homem tem? Sei não! Espera aí que eu vou dizer meu bem. É que o homem tem cabelo no peito, tem o queixo cabeludo e a mulher não tem”. É com esses versos de “Tem pouca diferença” canção de Durval Vieira que começo esta crônica para versar sobre o tão festejado(?) Dia Internacional da Mulher. Até alguns anos atrás acreditava-se que a única diferença entre mulheres e homens eram os caracteres sexuais, com o passar dos anos e avanço da ciência outros diferenciais foram descobertos. Entre tais o famoso par de cromossomos XY presente apenas nos homens. Mas será isso tudo motivo para termos diferenças entre mulheres e homens?

Já paramos para pensar se essas tais diferenças são realmente importantes ou essenciais para as relações sociais entre mulheres e homens? Será que tanto hoje quanto no passado demos aos bons modos, à gentileza, ao respeito a importância devida que esses atributos, tão essenciais a convivência entre os seres humanos, merecem? Ou será que o que é mais relevante à vida nunca foi realmente valorizado? Hoje muitas mulheres fazem questão de serem presenteadas com flores, bombons, lembrancinhas singelas para que assim se sintam homenageadas e valorizadas como mulher. Mas muitas se esquecem de valorizar-se na sua condição de ser humano quando aceitam que a sociedade - e muitas vezes elas mesmas - se tratem como meros objetos de desejo e divertimento social.

Em muitas situações, na maioria delas infelizmente, os homens são verdadeiros monstros, no trato com suas companheiras. Mas aí basta que chegue o dia oito de março e, com ele, os presentes para que tudo, que foi praticado para humilhar e desvalorizar a mulher, seja esquecido. Afinal de contas ele lembrou do meu dia, dizem algumas, ele me comprou flores, dizem outras. Mas será que algum dia nós teremos a noção do real valor da mulher na nossa sociedade? Será que em algum momento a sociedade vai perceber que apesar das diferenças biológicas e psíquicas homens e mulheres são iguais? Quando iremos parar de fingir que não temos preconceitos de gênero? Pois ao ter a necessidade de oficializar uma data para lembrar da existência e importância da mulher é por que ainda não a enxergamos como uma igual. Quando nos dermos conta disso iremos perceber que não precisaremos de datas especiais para lembrar e valorizar as pessoas que estão a nossa volta.

Lembrei-me agora de uns versos de “Super homem, a canção” de Gilberto Gil que diz assim: “Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara, é a porção melhor que trago em mim agora, é o que me faz viver”.  Como diz o compositor quem dera se todo homem pudesse compreender o real valor de uma mulher, o verdadeiro valor de uma pessoa que sempre será capaz de deixar os seus problemas de lado, de sacrificar, por vezes, os seus desejos para que aquele que esteja ao seu lado possa realizar-se. Quando nós, homens, percebermos que a mulher é tão importante quanto qualquer um de nós, não mais precisaremos de um dia para lembrar dela, pois teremos os trezentos e sessenta e cinco dias do ano para exaltar o real valor desse ser que merece todo nosso carinho, atenção, respeito e amor durante o ano todo. Isso é o que eu desejo e espero ainda viver para ver isso acontecer na nossa sociedade.

Tonni Nascimento

domingo, 28 de outubro de 2012

Não sou eu quem me navega




É com esse verso do Paulinho da Viola que volto a uma atividade que me incomodava ter parado. Uma parada quase que forçada. E, como o urso que após a hibernação volta ansioso por alimentar-se, volto agora à minha vida, navegando por mares que dantes eu não imaginava sequer fazer uma breve travessia e agora estou navegando por águas turvas e, por vezes, turbulentas. Estou de volta a um prazer que tinha esquecido como me fazia bem, estou de volta à escrita.

Nos últimos anos tenho passado por uma montanha russa de emoções. Essa frase pode parecer, para muitos, como lugar comum, mas é um retrato muito correto e atual da minha vida. Tive decepções, desilusões, surpresas, mas também tive momentos felizes que me propiciaram emoções que jamais esquecerei. Nesses últimos meses mudei de emprego, mudei de local de trabalho (dentro do mesmo emprego), obtive reconhecimentos que dantes não eram esperados. Tive que engolir alguns sapos (hoje apenas pererecas).

Obtive nesses meses desilusões e decepções amorosas, mas adquiri a certeza que tenho ao meu lado pessoas que me amam e querem o meu bem. Não que isso supra a falta, que sinto – e meus amigos bem sabem disso, de uma pessoa para envelhecermos juntos, mas nos instantes em que a tristeza insiste em ser notada tenho a quem ligar e convidar para assistir um filme, beber um chope ou simplesmente dar uma volta enquanto colocamos os assuntos em dia.

Trago hoje a marca de uma alma que passou por experiências que jamais serão esquecidas. Derrotas e vitórias que ajudaram a fortalecer minh’alma, fortificar meu ser para enfrentar – e vencer – as batalhas que estão por vir. Certo de que tudo que vivi foi uma preparação para o que me espera e um aprendizado onde posso olhar para trás e ver em que ponto errei e onde acertei. Uma fonte inesgotável de aprendizado lúdico e sensorial.

Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. Essa frase é correta, mas necessário se faz afirmar que mesmo que seja o mar que me navega sou eu que escolho em que mar eu entrarei com meu barquinho a vela. Por esse motivo sou eu que escolho as experiências que passarei e situações que enfrentarei. Contudo a escolha mais importante é decidir qual será a minha condição ao final da jornada se a de vencido ou vencedor. E essa situação eu já decidi: ao fim da jornada serei um vencedor, mesmo que ainda sofra algumas quedas. Mas no final erguerei meus braços para festejar a vitória, que chegará, mesmo que ainda tardia.

Tonni Nascimento

Publicado originalmente em Pensamentos esparsos em  18/10/2012.